quinta-feira, 26 de maio de 2011

MANUEL BANDEIRA - Um Modernista Sem Modernidade

BIBLIOGRAFIA

ARISTOTELES (2004). Arte Poética. São Paulo, Martin Claret.

BANDEIRA, Manuel. Meus Poemas Preferidos. Rio de Janeiro, Ediouro.

BANDEIRA, Manuel (1982). Antologia Poética. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio.

BANDEIRA, Manuel (1993). Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira.

BELLUZZO, Ana Maria de M. (1990) “Os Surtos Modernistas” in: BELLUZZO, Ana Maria de M. (org.). Modernidade: Vanguardas Artísticas na América Latina. São Paulo, Memorial/UNESP.

BENJAMIN, Walter (1980). A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução. in BENJAMIN, Walter et al. Textos Escolhidos. São Paulo, Abril Cultural.

BOURDIEU, Pierre (1996). As Regras da Arte. São Paulo, Companhia das letras.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: estudos de Teoria e História literária. São Paulo, Ed. Nacional.

DUVIGNAUD, Jean (1966). “Problemas de Sociologia da Arte”, in Gilberto Velho

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EAGLETON, Terry (1997). Teoria da Literatura: Uma Introdução. São Paulo, Martins Fontes.

FISCHER, Ernest (1966). “A Função da Arte”, in Gilberto Velho (org.), Sociologia da

Arte, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, p.15 – 23.

LAFETÁ, João Luiz (1973). Estética e Ideologia: O Modernismo em 1930.

ORLANDI, Eni P. (1999). Análise de Discurso. São Paulo, Ed. Pontes.

PLATÃO, Diálogos de (1976). A República. Universidade federal do Pará.

ZILIO, Carlos. “Da Antropofagia à Tropicália”, in Adauto Novaes (org.), O nacional e

o Popular na Cultura Brasileira, p.11 – 56.

ZILIO, Carlos (1982). A Querela do Brasil. Rio de janeiro, Ed. Funarte.

MANUEL BANDEIRA - Um Modernista Sem Modernidade

METODOLOGIA

Para desenvolver meu trabalho me apoio na obra literária de Manuel Bandeira, sobretudo no seu trabalho artístico até a Semana de 22; tendo Cinza das Horas, Carnaval, Ritmo Dissoluto e Libertinagem como principais textos. Faço essa escolha por causa do ano de publicação de cada livro. Os dois primeiros pré-semana de 22 (1917 e 1919, respectivamente), Ritmo Dissoluto logo após a Semana (1924) e Libertinagem (1930) que traz consigo poemas escritos desde 1924 até o ano de publicação.

Começo assim por definir o que – dentro da obra de Bandeira – mais vai me interessar para o desenvolvimento da pesquisa; porque, segundo Eni Puccinelli Orlandi, na Análise de Discurso, a constituição do corpus de análise deve ser um dos primeiros pontos considerado e definido pelo pesquisador. E mais, para ele, essa “delimitação do corpus não segue critérios empíricos (positivistas) mas teóricos.” Dessa forma, a construção do corpus e a análise estão profundamente atreladas, pois definir o que fará parte desse corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas a serem estudadas.

“Em grande medida o corpus resulta de uma construção do próprio analista. A análise é um processo que começa pelo próprio estabelecimento do corpus e que se organiza face à natureza do material e à pergunta (ponto de vista) que o organiza. Daí a necessidade de que a teoria intervenha a todo momento para “reger” a relação do analista com seu o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretação.” (Orlandi,1999, p.63-64)

Tomarei então a poesia como discurso por considerá-la como linguagem em movimento e como material simbólico (é impossível não interpretar a realidade simbolicamente) que faz parte do trabalho social e que é constitutiva do homem e de sua história.

Para abordagem e estudo desse material, utilizarei também o modelo filosófico desenvolvido por Martin Heidegger, geralmente conhecido como Fenomenologia Hermenêutica, que consiste em colocar a obra como centro da atenção sem deixar de lado seu contexto temporal e histórico; fazendo assim um aprofundamento na sua complexidade e significado.

“Heidegger parte da reflexão sobre a irredutível “condição dada” da existência humana, ou o Dasein, como ele chama. (...) Tal existência, argumenta Heidegger, é em primeiro lugar sempre o ser-no-mundo: só somos sujeitos humanos porque estamos praticamente ligados ao nosso próximo e ao mundo material, e essas relações são constitutivas de nossa vida, e não acidentais a ela.” (Eagleton, 1997, p.85).

Aqui creio ser possível uma aproximação do método Heideggeriano com a análise de discurso explanada por Orlandi, pois, com efeito, “os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das praticas do homem.” (1999, p.16)

Surgimos dentro de uma realidade inesgotável de significados e essa realidade engloba tanto o sujeito quanto o objeto. Por isso o entendimento, antes de mais nada, é uma dimensão do Dasein (ser-aí ou ser-no-mundo). O entendimento é radicalmente histórico, estando sempre atrelado a situação concreta em que me encontro e que tento transcender. Para ele, a existência humana é constituída pelo tempo e pela linguagem; E a linguagem para Heidegger não é simplesmente um instrumento de comunicação, e sim a própria dimensão na qual se move a vida humana. A linguagem é por excelência aquilo que faz o mundo ser.

Segundo Orlandi, “o texto não é apenas uma frase longa ou uma soma de frases. Ele é uma totalidade com sua qualidade particular, com sua natureza específica.” (1999, p.18) Interpreto isso, essa natureza particular, como o ontos do texto, a linguagem literária tem uma verdade ontológica (ou seja, ela quer ser, ela é). Ao mesmo tempo em que na análise de discurso a linguagem é tida como uma mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. E é nessa mediação que se encontra a luta entre a resistência e a inovação – o que para Pierre Bourdieu seria o campo de forças entre dominantes e dominados – no campo da produção do sujeito humano e da estrutura social correspondente.

“Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base do produção da existência humana.” (Orlandi, 1999, p.15)

Mimeticamente, a poética materializa a própria essência da realidade. E para Heidegger, só na arte essa verdade fenomenológica pode se manifestar. Para ele, “a arte, como a linguagem, não deve ser considerada como a expressão de um sujeito individual: o sujeito é apenas o local, ou o meio, pelo qual a verdade do mundo se manifesta, e é essa verdade que o leitor de um poema deve ouvir atentamente.” (1997, p. 89).

Para finalizar este trabalho e amarrar melhor minha idéia, faço uso do argumento de Aristóteles sobre a diferença entre o historiador e o poeta. Para este filósofo grego, eles não diferem pelo fato do historiador escrever em prosa e o poeta em verso: “diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.” (2004, p.43). Para Aristóteles o poeta narra o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade e a história estuda apenas o particular.

Tomo, então, a obra de Manuel Bandeira, como documento e discurso histórico e cultural para uma análise fenomenológica e reflexão sociológica a respeito de seu modernismo (e sua modernidade) dentro de sua visão e relação com o mundo.

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OBJETIVOS E QUESTÕES

Dos objetivos

Este trabalho de pesquisa tem como objetivo principal e de ordem mais geral: entender como Manuel Bandeira, sendo considerado um poeta modernista, transparecia deixar de fora, em sua poesia de linguagem mais passadista, um mundo moderno que surgia.

Para objeto específico de análise, pretendo checar (1) como a modernidade se camuflava e aparecia – ou parecia – para Manuel Bandeira, em sua obra; e (2) o porque de sua poesia ser considerada moderna sem que ele adentrasse por inteiro essa modernidade.

Das questões

Enquanto quadro de questões na pesquisa, a primeira que me vem é por que Manuel Bandeira escondia a modernidade em sua obra? Logo depois questiono no projeto: Como essa modernidade se escondia? E, por fim, o que realmente fazia de seus versos, poemas modernistas?

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QUADRO TEÓRICO

Para tentar situar melhor a pesquisa, gostaria primeiro de explanar um pouco a respeito da linguagem literária.

A linguagem sempre foi considerada basicamente como a interpretação e representação da realidade através de um sistema de signos. É, portanto, através da linguagem que os homens externam sua visão de mundo, se utilizando de símbolos para expressar/representar suas relações reais com o meio social ou encobrindo-as. Olhar é imediatamente interpretar, porque o mundo, qualquer mundo que seja, é desde já uma visão de mundo. Porém, a linguagem literária tem uma realidade ontológica, ela quer Ser. É pois aí, que a linguagem poética chama a atenção sobre si mesma (sobre seu significante), mediante propriedades e funções que lhe são intrínsecas, criando e revelando a sua própria realidade (ou seu significado).

Com isso, a obra foge ao “mundo real” mesmo estando o artista inserido nele. Aqui, sem dúvida encontro uma possibilidade referencial com minha questão. Para Bourdieu, a arte encontra-se em condições de ser analisada cientificamente, a partir da análise sobre as condições sociais da produção e da recepção da obra de arte; e isso não a diminuiria, pois que senão tendia a intensificar a experiência literária.

Seria, para Bourdieu,

“apenas para melhor redescobri-la ao termo do trabalho de reconstrução do espaço no qual o autor encontra-se englobado e ‘incluído como um ponto’. Conhecer como tal esse ponto do espaço, que é também a partir do qual se forma um ponto de vista singular sobre esse espaço, é estar em condição de compreender e sentir, pela identificação mental com uma posição construída, a singularidade dessa posição e daquele que a ocupa”. (Bourdieu, 1996, p. 15).

Para ele, este caminho nos daria o poder de compreender e sentir a singularidade da posição (no espaço literário) ocupada pelo escritor.

Assim, o significado (plano conteudístico) está presentificado no contexto social e cultural da história, está no mundo e fora do significante (plano estético): que transfigura a realidade: que está na obra. É a partir desses parâmetros que pretendo me guiar por enquanto.

Por tanto, é em cima do campo literário, ao qual Manuel Bandeira destilou seu mundo artístico, que buscarei encontrar uma sociologia do poeta sobre si mesmo, com seu sentido histórico e existencial refletidos em seus versos como sintomas do espaço-tempo em seu sujeito e fora dele.

“Procurar na lógica do campo literário ou do campo artístico, mundos paradoxais capazes de inspirar ou impor os ‘interesses’ mais desinteressados, o princípio da existência da obra de arte naquilo que ela tem de histórico, mas também de trans-histórico, é tratar essa obra como um signo intencional habitado e regulado por alguma outra coisa, da qual ela é também sintoma.” (Bourdieu, 1996, p. 15-16).

Com efeito, creio ser demasiado interessante observar o caráter ‘autobiográfico’ expresso pelo escritor em seu trabalho. Como descreve Bourdieu sobre Flaubert: “um trabalho de objetivação de si, de autoanálise, de socioanálise” (1996, p. 40). Ao meu ver, essa carga de autoreferência se encontra perfeitamente em Bandeira, que, mesmo em estado de ‘recusa das determinações sociais’ que sua escrita abolia, não podia se manter neutro perante a realidade de seu próprio mundo social. Pois, “existir socialmente é ocupar uma posição determinada na estrutura social e trazer-lhe as marcas, sob a forma, especialmente, de automatismos verbais ou de mecanismos mentais” (1996, p. 42-43). Conter e estar-contido em grupos e estar preso em suas redes de relações pode ser encontrado até nas mais fictícias das ficções!

“Não há melhor atestado de tudo que separa a escrita literária da escrita científica do que essa capacidade, que ela possui exclusivamente, de concentrar e de condensar na singularidade concreta de uma figura sensível e de uma aventura individual, funcionando ao mesmo tempo como metáfora e como metonímia, toda a complexidade de uma estrutura e de uma história que a análise científica precisa desdobrar e estender laboriosamente.” (Bourdieu, 1996, p. 39).

Poderia, agora, facilmente, cair em Platão, abordando seu conceito antigo e primitivo de simulacro; onde tudo que é produzido pelo poeta (ou artista em geral) não passaria de uma imitação da realidade, uma exposição falha dos fatos e uma reprodução infiel do que é verdadeiro. No entanto, prefiro continuar com Bourdieu, para quem essa ilusão da realidade - manifestada na arte - é partilhada socialmente por todos. É a crença que se cria sobre o próprio mundo.

“A tradução sensível dissimula a estrutura, na forma mesma na qual a apresenta e graças à qual é bem-sucedida em produzir um efeito de crença (antes que de real). E é isso sem dúvida que faz com que a obra literária possa por vezes dizer mais, mesmo sobre o mundo social, que muitos escritos com pretensão científica” (1996, p. 48).

Em sua mímica do mundo, Manuel Bandeira, parece transparecer uma certa atratividade na idéia criadora da arte pela arte (o que nos remete a uma atitude, talvez, parnasiânica). A essência de seus versos pode parecer melancólica e trágica em determinado momento (lembrando Baudelaire) e de leve romanesco em outro (agora Flaubert). Mas isso não quer dizer que o autor se alienasse em relação aos quadros sociais a sua volta. A nova estética que surgia desejava novas possibilidades criadoras perante este quadro: tanto na linguagem como na ideologia.

Segundo Lafetá (1973, p.19), o primeiro momento do modernismo no Brasil, ou seja, o da década de 20, trazia em seu projeto estético – essencialmente – uma ruptura com o plano da linguagem, que é “a crítica da velha linguagem pela confrontação da nova linguagem”. O segundo momento, ou o da década de 30, seria o projeto ideológico, onde a manifestação da arte moderna estaria “diretamente atada ao pensamento (visão-de-mundo) de sua época”. Outrossim, aqui vale mais ao trabalho, a reiteração feita logo após por Lafetá, que, o próprio projeto estético (diretamente ligado às modificações operadas na linguagem) “já contém em si o seu próprio projeto ideológico”.

Observando a teoria de Pierre Bourdieu e relacionando com a análise sócio-histórica de Lafetá, do modernismo no Brasil, indago: Será que uma (in)consciente postura estética/ideológica em Bandeira fazia com que seus versos se traduzissem sensivelmente, em seu campo literário, de forma à dissimular a modernidade? Será possível, a uma sociologia da literatura, desvendar cientificamente a expressão sensível de um autor particular em sua relação individual para com uma específica realidade?

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PROBLEMATIZAÇÃO

O Brasil do início do século XX é um país tenso e em conflito. Recentemente republicano e no centenário da sua independência político-administrativa, a questão central era a modernização do país e seu desenvolvimento industrial. Começa a surgir uma classe empresarial e proletária, em formação, em oposição às oligarquias rurais; estas representavam o arcaísmo da sociedade brasileira e eram detentoras do poder político. A economia estava toda voltada para a exportação do café; mesmo assim, no primeiro quarto de século, já havia uma importante classe média urbana, com uma representação significativa na parte administrativa e nas forças armadas do país.

No período em que se deu início ao modernismo no Brasil, e tomando a Semana de Arte Moderna de 1922 como marco histórico dessa escola, tínhamos então um país de brutos contrastes sociais. A arte sempre nacionalista e de cunho defensivo que até então vigorava e uma arte que se insurgia com aspectos revolucionários estéticos eram como representações desses contrastes civilizatórios; de um lado, a força da sociedade agrária e seus coronéis; do outro, a urbanização crescente do novo mundo que surgia.

Com efeito, a Semana de 22 marcou o Brasil profundamente no campo intelectual e político, visto que representou o primeiro esforço organizado para um novo olhar sobre o Brasil moderno. O movimento, nessa época, propõe uma radical mudança na concepção de arte para esse mundo e para essa sociedade moderna. A favor do processo de modernização e crescimento dos nossos quadros culturais, o modernismo foi contra a linguagem “oficializada”, adicionando-lhe folclore e literatura popular; tratava-se de um olhar miscigenado, que, ancorado em nosso passado cultural, erguia um projeto estético que rompesse com a linguagem academicista. Visando assim, segundo Mario de Andrade, uma atualização da inteligência artística brasileira com direito permanente à pesquisa estética e com o intuito de estabilizar uma consciência criadora nacional. Os artistas passaram a ter mais do que uma visão critica da sociedade; foram muito além disso criticando as próprias artes.

Os versos de Bandeira carregavam com cuidado esses contrastes, de tal forma que se torna quase imperceptível a nítida presença de uma sociedade moderna e avassaladora em sua obra. Essa sutileza do poeta, maquiada com seu eu lírico quase formal, faz com que seu modernismo se nos apresente sem um apelo ao (mundo) moderno.

Aquela sociedade moderna que se desenvolvia na sua frente, aos olhos seus tinha teor diferente, onde a nostalgia de uma infância mal vivida cegava-lhe para os novos rumos físico-sociais que se formavam. No entanto, sua poesia se vestia muito bem de modernismo. Acima de tudo com seu toque popular, que ressaltava uma linguagem simples, mas de mensagem vasta.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasce no Recife, a 19 de abril de 1886. Em 1890, muda-se com a família para o Rio de Janeiro. Daí para Santos, depois São Paulo e novamente Rio. Em 1892, volta a Pernambuco onde passa quatro anos, quatro anos de infância que carregará em seus versos na vida adulta. Depois volta ao Rio; durante esse período cursa o externato do Ginásio Nacional (hoje Pedro II) onde lhe surge o gosto pela literatura. Data daí sua primeira publicação, com um soneto em versos alexandrinos na primeira página do Correio da Manhã. Parte para São Paulo em 1903 e se matricula na Escola Politécnica. Lá, adoece do pulmão no fim do ano letivo (1904) e abandona os estudos de arquitetura. Volta ao Rio de Janeiro; aqui começa sua peregrinação em busca de climas serranos e tratamentos adequados para seu mal. Em 1913 vai para a Europa a fim de tratar-se no sanatório de Cladavel (Suíça). Por conta da Primeira Grande Guerra volta ao Brasil em 1914 e publica seu primeiro livro – Cinza das Horas – em 1917. Carnaval, seu segundo livro, é publicado em 1919 e causa entusiasmo na geração paulista que iniciava a revolução modernista. Em 1921, conhece Mário de Andrade pessoalmente no Rio. Em 1922, vai a São Paulo onde faz novos conhecimentos e amizades, mas não quis participar da Semana de Arte Moderna.

Manuel Bandeira se antecipou ao modernismo empregando o verso livre, embora ainda preso a reminiscências simbolistas e parnasianas, também impregnadas da velha herança do lirismo português, e acabou, mais tarde, como o “idealizador” embrionário daquele evento: Batizado por Mário de Andrade como São João batista do modernismo.

Tomando Manuel Bandeira como “sócio-fundador” do modernismo, fica difícil imaginar como sua poesia, “pré-moderna” (de Cinza das Horas), prenhe de imagens do passado ¾ que além de quadras rimadas ainda nutria o gosto pelo soneto ¾ se escancarava de modernismo sem necessariamente adentrar a modernidade.

Sendo assim, creio ser possível uma referencialidade do texto literário em relação ao contexto histórico, com cuidado para não reduzir o logos da obra literária a puro efeito de forças externas. Porém, esmiuçá-la numa relação dialética entre o sujeito e tais forças que o formam enquanto agente do mundo em que vive. Dessa forma, pretendo desenvolver minha pesquisa em cima do modernismo de Bandeira, principalmente até a Semana de 22, onde o corpo de sua obra, mesmo modernista, encobria sua modernidade e a de seu tempo.

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JUSTIFICATIVA

É comum, na crítica literária, o estudo apenas do conteúdo, do método ou técnica utilizados pelo autor e do valor histórico-literário de sua obra. Esquecem-se comumente dos aspectos sociológicos e antropológicos que formam a psique do ator social.

Pensando nisso, tentarei buscar tais aspectos em seus poemas para torná-los sociologicamente mais acessíveis aos amantes da arte literária.

A importância que recai sobre este estudo passa pelo desvendamento de um aspecto da literatura de um dos maiores poetas de nossa história, a partir de seu confronto artístico com sua época, contribuindo assim para uma sociologia da literatura e abrindo caminho para novas interpretações do modernismo e da modernidade em Manuel Bandeira.

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INTRODUÇÃO

Os poetas, assim como os artistas em geral, são tidos sempre como intérpretes de seu tempo. Há a idéia mítica de que os artistas têm o mágico poder de desvendar a realidade objetiva, além de toda subjetividade das emoções humanas.

Nos escritores, o compromisso com a realidade social que os cerca parece ser cobrado de forma mais contundente pelos leitores e até pela crítica; mesmo que estes se satisfaçam com o mínimo de verossimilhança com o mundo que ali se revele. Mas a magia da linguagem se estende e se desdobra face aos encantos (ou desencantos, no caso de Manuel Bandeira) com o mundo vivido pelo autor.

O significado de um poema pode atravessar as fronteiras da interpretação; contudo, sempre haverá interpretações mais “acertadas”, por assim dizer. Historicamente, sempre existiram formas de controle da interpretação, de autoridades interpretativas; sejam individualizadas (sujeitos/especialistas) ou simbólicas (sociais/ideológicas).

“há modos de interpretar, não é todo mundo que pode interpretar de acordo com sua vontade, há especialistas, há um corpo social a quem se delegam poderes de interpretar. (...) Diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico somos instados a interpretar, havendo uma injunção a interpretar. Ao falar, interpretamos. Mas, ao mesmo tempo, os sentidos parecem já estar sempre lá.” (Orlandi, 1999,p.10)

Porém não é possível, na arte, uma estética, só do autor, totalmente desvinculada da realidade. Bandeira era um modernista de ritmos tradicionais, que buscava o belo num tempo em que estava em jogo uma ruptura estética com este belo; ruptura esta que refletia uma nova visão para um mundo moderno.

No entanto, também havia em Manuel Bandeira um quebra estética que se ressaltava em seu pseudo-classicismo com o verso livre como lirismo habitual. A questão aqui é: Como um poeta moderno conseguia “deixar de fora” um mundo moderno que o cercava? Ou melhor, como tal poeta conseguiu camuflar este mundo trágico em seus poemas trágicos?

“Não como és hoje,

Mas como eras na minha infância,

Quando as crianças brincavam no meio da rua

(não havia ainda automóveis) (...)

eras um recife sem arranha-céus, sem comunistas, (...)”

Farei então, a partir de poemas de Bandeira, uma interpretação lítero-sociológica da modernidade dentro de seu modernismo. O poeta enquanto ser social e agente e sua arte como visão de mundo e representação da estrutura.