para Murilo Rubião.
Eu era um apenas um menino (na verdade eram eles que me
chamavam de Menino) quando aquilo me aconteceu. Eu só tava ali há uma semana! Todos
pensaram que era mentira; (as pessoas sempre pensam em si mesmas antes de
delegar alguma possibilidade de verdade a alguém). Sei que tinha eu alguns
“problemas” com o restante da vida social, mas não sei se “problema” é o nome
adequado para o que eu realmente sentia.
Diziam lá que eu tinha um faro pra dor. Acho que por isso
sempre me colocavam com os sujeitos mais dolorosos. O primeiro era o Adauto,
Adauto era um cara em eterna crise: crise com a mulher, crise com a ex, crise
com os filhos, crise com a mãe o pai e a puta que o pariu... Adauto só não
tinha crise com o jogo do bicho! Porra, ele sempre ferrava alguma grana... O
segundo era Arrimo, (todo mundo tirava onda com o nome dele, ele era gaiato, mas
ele era solteiro e sempre andavam os dois.), Arrimo era um fotógrafo fuderoso! Tanto
na operação da máquina quanto na visão do mundo.
Adauto e Arrimo estavam sempre disputando uma forma melhor
de entrar em ambientes proibidos. Sempre querendo ver alguma coisa que ninguém
imaginou e transformar isso em uma longa página do caderno. Incansáveis!
Entravam em ambientes escusos e insalubres em busca de fotos sanguinolentas e
cheias de dor e morte.
Minha função era só acompanhá-los com a maquinaria, mas
sempre que chegava perto de algo assim, eles sentiam... Sentiam que algo estava
diferente... Mas nunca era nada. Voltavam com fotos vazias e eu me perdia de
sono e dormia no sofá. Esse foi meu erro, não devia ter dormido lá!
Foi quando chegou a missão:
Gritou Aldebaran, nosso pau mandado:
Existe um pequeno prédio na avenida Rui Barbosa no qual
rolou um assassinato. Parece que o doidão do marido e a mulher e o filho e o cachorro
e o caralho a quatro se fuderam numa situação inexplicada. Vão lá e me tragam o
melhor... Saibam que o local está interditado, só que vocês são os tabacudos
que tenho pra romper essa bagaça. Cuidado e não me tragam problemas pra cá,
sendo pegos, já sabem, nós não temos nada com isso e eu nem sei porque estavam
lá e mando demitir os dois.
Pensei:
O meu tá fora da reta! Vai se fuder otário... fechei os
olhos e dormi mais um pouco.
[Essa porra dessa gente vive só da desgraça dos outros! Mal
cheguei e já quero vazar!]
Nessa hora Arrimo cai no chão e finge uma crise epilética.
As pessoas se aproximam e ele espumando diz:
Só vou se levar o Menino comigo!
O povo ri e é quase unânime que eu tinha que ir.
Disse, em minha defesa, que precisava usar a copiadora pra
imprimir coisas da faculdade. (Riram muito mais ainda.)
Fomos e chegamos num duplex abandonado. Eu disse que a gente
tava no lugar
Errado. Ninguém me ouviu. Entramos e o ambiente era
estranho, sujo e decrépto, mas sem fezes de mendigos ou pixações de gangues.
Tudo em seu lugar. Fiquei meio noiado, foi quando me perguntaram:
Ei, Menino, tas sentindo o que?
Tem coisa aqui, né?
Tas com medo?
Eu disse:
Num tava não, mas vocês ficam me lombrando...
Foi quando Arrimo bateu uma foto da banheira!
DEUS DO CÉU!
(Eu gritei.)
Meti a luz em cima e não tinha nada.
Ele disse:
Tu viu?
Eu disse:
Vamo sair daqui.
VEM CÁ VÊ ESSA PORRA...
(gritou Adauto lá de dentro)
Corremos agoniados pra ver o que era e ele estava lambendo
um colchão todo melado de sangue!
Arrimo começou a fotografar e o flash da câmera me dava mais
apreensão, a cada feixe de luz eu via cenas diferentes.
Foi quando gritei:
Vocês Piraram!?!
Num impulso de loucura e pavor dei uma porrada violenta na
câmera e corri o mais que pude pela avenida, já era madrugada e não me passava
nada. Cheguei na sede a pé, lá pelas tantas da manhã. Não havia nada. Não havia ninguém. Era bem
ali, perto do Rosarinho. A casa estava fechada e eu morto de cansaço.
Forcei a porta e me sentei no velho sofá, tirei um cochilo e
pensei:
Por que voltei? Mal voltei e já quero vazar!