sexta-feira, 1 de março de 2013

Liberdade e Política


Caminhando pela noite de minha cidade insalubre e triste, deparei-me com um cemitério de muro largo, alto, altíssimo e largo; pensei: por que (ou, quem sabe, pra quê?) tantos muros em locais de morte e decomposição? (Não entrarei no fato dos furtos aos que já estão bem mortos; bem mais que nós!) Mas será que nem na morte estamos livres?

Depois pensei:
Pergunta estúpida, sei sim, mas a vontade era de ultrapassar aquele muro quase intransponível... Depois me vi escalando a muralha da mortandade e de repente estava eu, lá em cima, contemplando e sentindo o avizinhamento da morte. Não saltei como queria. – Planejava um salto mortal quase ornamental. – Apenas olhei dentro do universo das covas e lápides que conseguia avistar com minha vista vazia e a pouca luminosidade que a lua proporcionava naquele momento.

Sentei em cima do tal muro e sorrateiramente me apareceu um gato! Era um gato malhado como uma vaca e com um cavanhaque que acompanhava todo seu bigode. Dizem por aí que gatos têm tudo a ver com os mortos... Desde os egípcios, dizem. Nunca gostei muito de gatos e nunca pensei muito na morte (não dessa forma), se bem que achei o momento propício pra meditar.

Por incrível que pareça acabei pensando em uma política da liberdade. Sempre me soou bacana a idéia de que ser liberto é nunca ter o que fazer; ou melhor, não ter que fazer nada... Mais ainda, de também não ser obrigado a nada! A política tal qual a sonhamos deveria partir de nossa pulsão de liberdade, de modo que garantisse ao indivíduo formas inquestionáveis de manter-se livre no mundo.

Então perguntei ao gato, que me revelou se chamar Radote:

– O que é liberdade, heim, gato?

– Um desejo do símio humano que entende a finitude e a evita.

– Então, ao contrário da vontade, do desejo, a liberdade é sempre finita?

– Das mais finitas das categorias humanas. Em tudo ao redor uma corrente, dizia o francesão lá. O fato de ser escravo da própria volição é um indicador.

– É, gato Radote, a independência é coisa de poucos e muito pouca! É necessário desgarrar-se dos outros e de si mesmo... Ser nobre e autêntico fora do rebanho é possível?

– A sociedade de onde viemos é como a cor dos nossos olhos. Podemos até dissimulá-la com lentes, mas o fundo original é inevitável. E é justamente ela que acorrenta. Agora vou jantar...

Assim ele encerrou nosso diálogo e pulou para dentro do terreno funéreo; como apareceu, sumiu. E eu fiquei lá pensando sozinho...

O homem de espírito livre, primitivo ou do futuro, mesmo que com boa parte da sua liberdade comprometida com os outros e com ele mesmo, tem o direito de tentar Ser o que se É. Os mortos da antiguidade (quase que paleontológicos) foram mais libertos e menos comprometidos com a liberdade que nossos mortos. Onde entra então nossa fúnebre ontologia política nesses termos metafisicamente estranhos? Cosmologicamente estou convencido de uma idéia inerente ao nosso jogo físico e entrópico no mundo sensível, de que a liberdade é só mais um passo para desordem, ou para a política, desde que sejamos livres políticos e de que morramos politicamente também...