quinta-feira, 26 de maio de 2011

MANUEL BANDEIRA - Um Modernista Sem Modernidade

QUADRO TEÓRICO

Para tentar situar melhor a pesquisa, gostaria primeiro de explanar um pouco a respeito da linguagem literária.

A linguagem sempre foi considerada basicamente como a interpretação e representação da realidade através de um sistema de signos. É, portanto, através da linguagem que os homens externam sua visão de mundo, se utilizando de símbolos para expressar/representar suas relações reais com o meio social ou encobrindo-as. Olhar é imediatamente interpretar, porque o mundo, qualquer mundo que seja, é desde já uma visão de mundo. Porém, a linguagem literária tem uma realidade ontológica, ela quer Ser. É pois aí, que a linguagem poética chama a atenção sobre si mesma (sobre seu significante), mediante propriedades e funções que lhe são intrínsecas, criando e revelando a sua própria realidade (ou seu significado).

Com isso, a obra foge ao “mundo real” mesmo estando o artista inserido nele. Aqui, sem dúvida encontro uma possibilidade referencial com minha questão. Para Bourdieu, a arte encontra-se em condições de ser analisada cientificamente, a partir da análise sobre as condições sociais da produção e da recepção da obra de arte; e isso não a diminuiria, pois que senão tendia a intensificar a experiência literária.

Seria, para Bourdieu,

“apenas para melhor redescobri-la ao termo do trabalho de reconstrução do espaço no qual o autor encontra-se englobado e ‘incluído como um ponto’. Conhecer como tal esse ponto do espaço, que é também a partir do qual se forma um ponto de vista singular sobre esse espaço, é estar em condição de compreender e sentir, pela identificação mental com uma posição construída, a singularidade dessa posição e daquele que a ocupa”. (Bourdieu, 1996, p. 15).

Para ele, este caminho nos daria o poder de compreender e sentir a singularidade da posição (no espaço literário) ocupada pelo escritor.

Assim, o significado (plano conteudístico) está presentificado no contexto social e cultural da história, está no mundo e fora do significante (plano estético): que transfigura a realidade: que está na obra. É a partir desses parâmetros que pretendo me guiar por enquanto.

Por tanto, é em cima do campo literário, ao qual Manuel Bandeira destilou seu mundo artístico, que buscarei encontrar uma sociologia do poeta sobre si mesmo, com seu sentido histórico e existencial refletidos em seus versos como sintomas do espaço-tempo em seu sujeito e fora dele.

“Procurar na lógica do campo literário ou do campo artístico, mundos paradoxais capazes de inspirar ou impor os ‘interesses’ mais desinteressados, o princípio da existência da obra de arte naquilo que ela tem de histórico, mas também de trans-histórico, é tratar essa obra como um signo intencional habitado e regulado por alguma outra coisa, da qual ela é também sintoma.” (Bourdieu, 1996, p. 15-16).

Com efeito, creio ser demasiado interessante observar o caráter ‘autobiográfico’ expresso pelo escritor em seu trabalho. Como descreve Bourdieu sobre Flaubert: “um trabalho de objetivação de si, de autoanálise, de socioanálise” (1996, p. 40). Ao meu ver, essa carga de autoreferência se encontra perfeitamente em Bandeira, que, mesmo em estado de ‘recusa das determinações sociais’ que sua escrita abolia, não podia se manter neutro perante a realidade de seu próprio mundo social. Pois, “existir socialmente é ocupar uma posição determinada na estrutura social e trazer-lhe as marcas, sob a forma, especialmente, de automatismos verbais ou de mecanismos mentais” (1996, p. 42-43). Conter e estar-contido em grupos e estar preso em suas redes de relações pode ser encontrado até nas mais fictícias das ficções!

“Não há melhor atestado de tudo que separa a escrita literária da escrita científica do que essa capacidade, que ela possui exclusivamente, de concentrar e de condensar na singularidade concreta de uma figura sensível e de uma aventura individual, funcionando ao mesmo tempo como metáfora e como metonímia, toda a complexidade de uma estrutura e de uma história que a análise científica precisa desdobrar e estender laboriosamente.” (Bourdieu, 1996, p. 39).

Poderia, agora, facilmente, cair em Platão, abordando seu conceito antigo e primitivo de simulacro; onde tudo que é produzido pelo poeta (ou artista em geral) não passaria de uma imitação da realidade, uma exposição falha dos fatos e uma reprodução infiel do que é verdadeiro. No entanto, prefiro continuar com Bourdieu, para quem essa ilusão da realidade - manifestada na arte - é partilhada socialmente por todos. É a crença que se cria sobre o próprio mundo.

“A tradução sensível dissimula a estrutura, na forma mesma na qual a apresenta e graças à qual é bem-sucedida em produzir um efeito de crença (antes que de real). E é isso sem dúvida que faz com que a obra literária possa por vezes dizer mais, mesmo sobre o mundo social, que muitos escritos com pretensão científica” (1996, p. 48).

Em sua mímica do mundo, Manuel Bandeira, parece transparecer uma certa atratividade na idéia criadora da arte pela arte (o que nos remete a uma atitude, talvez, parnasiânica). A essência de seus versos pode parecer melancólica e trágica em determinado momento (lembrando Baudelaire) e de leve romanesco em outro (agora Flaubert). Mas isso não quer dizer que o autor se alienasse em relação aos quadros sociais a sua volta. A nova estética que surgia desejava novas possibilidades criadoras perante este quadro: tanto na linguagem como na ideologia.

Segundo Lafetá (1973, p.19), o primeiro momento do modernismo no Brasil, ou seja, o da década de 20, trazia em seu projeto estético – essencialmente – uma ruptura com o plano da linguagem, que é “a crítica da velha linguagem pela confrontação da nova linguagem”. O segundo momento, ou o da década de 30, seria o projeto ideológico, onde a manifestação da arte moderna estaria “diretamente atada ao pensamento (visão-de-mundo) de sua época”. Outrossim, aqui vale mais ao trabalho, a reiteração feita logo após por Lafetá, que, o próprio projeto estético (diretamente ligado às modificações operadas na linguagem) “já contém em si o seu próprio projeto ideológico”.

Observando a teoria de Pierre Bourdieu e relacionando com a análise sócio-histórica de Lafetá, do modernismo no Brasil, indago: Será que uma (in)consciente postura estética/ideológica em Bandeira fazia com que seus versos se traduzissem sensivelmente, em seu campo literário, de forma à dissimular a modernidade? Será possível, a uma sociologia da literatura, desvendar cientificamente a expressão sensível de um autor particular em sua relação individual para com uma específica realidade?

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