quinta-feira, 26 de maio de 2011

MANUEL BANDEIRA - Um Modernista Sem Modernidade

PROBLEMATIZAÇÃO

O Brasil do início do século XX é um país tenso e em conflito. Recentemente republicano e no centenário da sua independência político-administrativa, a questão central era a modernização do país e seu desenvolvimento industrial. Começa a surgir uma classe empresarial e proletária, em formação, em oposição às oligarquias rurais; estas representavam o arcaísmo da sociedade brasileira e eram detentoras do poder político. A economia estava toda voltada para a exportação do café; mesmo assim, no primeiro quarto de século, já havia uma importante classe média urbana, com uma representação significativa na parte administrativa e nas forças armadas do país.

No período em que se deu início ao modernismo no Brasil, e tomando a Semana de Arte Moderna de 1922 como marco histórico dessa escola, tínhamos então um país de brutos contrastes sociais. A arte sempre nacionalista e de cunho defensivo que até então vigorava e uma arte que se insurgia com aspectos revolucionários estéticos eram como representações desses contrastes civilizatórios; de um lado, a força da sociedade agrária e seus coronéis; do outro, a urbanização crescente do novo mundo que surgia.

Com efeito, a Semana de 22 marcou o Brasil profundamente no campo intelectual e político, visto que representou o primeiro esforço organizado para um novo olhar sobre o Brasil moderno. O movimento, nessa época, propõe uma radical mudança na concepção de arte para esse mundo e para essa sociedade moderna. A favor do processo de modernização e crescimento dos nossos quadros culturais, o modernismo foi contra a linguagem “oficializada”, adicionando-lhe folclore e literatura popular; tratava-se de um olhar miscigenado, que, ancorado em nosso passado cultural, erguia um projeto estético que rompesse com a linguagem academicista. Visando assim, segundo Mario de Andrade, uma atualização da inteligência artística brasileira com direito permanente à pesquisa estética e com o intuito de estabilizar uma consciência criadora nacional. Os artistas passaram a ter mais do que uma visão critica da sociedade; foram muito além disso criticando as próprias artes.

Os versos de Bandeira carregavam com cuidado esses contrastes, de tal forma que se torna quase imperceptível a nítida presença de uma sociedade moderna e avassaladora em sua obra. Essa sutileza do poeta, maquiada com seu eu lírico quase formal, faz com que seu modernismo se nos apresente sem um apelo ao (mundo) moderno.

Aquela sociedade moderna que se desenvolvia na sua frente, aos olhos seus tinha teor diferente, onde a nostalgia de uma infância mal vivida cegava-lhe para os novos rumos físico-sociais que se formavam. No entanto, sua poesia se vestia muito bem de modernismo. Acima de tudo com seu toque popular, que ressaltava uma linguagem simples, mas de mensagem vasta.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasce no Recife, a 19 de abril de 1886. Em 1890, muda-se com a família para o Rio de Janeiro. Daí para Santos, depois São Paulo e novamente Rio. Em 1892, volta a Pernambuco onde passa quatro anos, quatro anos de infância que carregará em seus versos na vida adulta. Depois volta ao Rio; durante esse período cursa o externato do Ginásio Nacional (hoje Pedro II) onde lhe surge o gosto pela literatura. Data daí sua primeira publicação, com um soneto em versos alexandrinos na primeira página do Correio da Manhã. Parte para São Paulo em 1903 e se matricula na Escola Politécnica. Lá, adoece do pulmão no fim do ano letivo (1904) e abandona os estudos de arquitetura. Volta ao Rio de Janeiro; aqui começa sua peregrinação em busca de climas serranos e tratamentos adequados para seu mal. Em 1913 vai para a Europa a fim de tratar-se no sanatório de Cladavel (Suíça). Por conta da Primeira Grande Guerra volta ao Brasil em 1914 e publica seu primeiro livro – Cinza das Horas – em 1917. Carnaval, seu segundo livro, é publicado em 1919 e causa entusiasmo na geração paulista que iniciava a revolução modernista. Em 1921, conhece Mário de Andrade pessoalmente no Rio. Em 1922, vai a São Paulo onde faz novos conhecimentos e amizades, mas não quis participar da Semana de Arte Moderna.

Manuel Bandeira se antecipou ao modernismo empregando o verso livre, embora ainda preso a reminiscências simbolistas e parnasianas, também impregnadas da velha herança do lirismo português, e acabou, mais tarde, como o “idealizador” embrionário daquele evento: Batizado por Mário de Andrade como São João batista do modernismo.

Tomando Manuel Bandeira como “sócio-fundador” do modernismo, fica difícil imaginar como sua poesia, “pré-moderna” (de Cinza das Horas), prenhe de imagens do passado ¾ que além de quadras rimadas ainda nutria o gosto pelo soneto ¾ se escancarava de modernismo sem necessariamente adentrar a modernidade.

Sendo assim, creio ser possível uma referencialidade do texto literário em relação ao contexto histórico, com cuidado para não reduzir o logos da obra literária a puro efeito de forças externas. Porém, esmiuçá-la numa relação dialética entre o sujeito e tais forças que o formam enquanto agente do mundo em que vive. Dessa forma, pretendo desenvolver minha pesquisa em cima do modernismo de Bandeira, principalmente até a Semana de 22, onde o corpo de sua obra, mesmo modernista, encobria sua modernidade e a de seu tempo.

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