terça-feira, 28 de julho de 2009

O CLICHÊ

O porta-malas do carro abria-se e eu estava de fronte à TV assistindo ao pornô. Ainda lembrava aliviado do chacoalhar da chave abrindo o compartimento. Lá dentro os segundos tinham a dimensão da minha claustrofobia. “O Fidji não vai permitir esse horror de gente, alguém tem que se esconder”. Em pânico após os primeiros dez segundos, eu ouvia o diálogo sobre as suítes, as regalias e se teria desconto. Suíte quarenta e sete, uma e quarenta da madrugada. Fez-se a luz.

Havia neblina no quarto. Eu estava de cuecas preenchendo as garrafas de cerveja vazias com água extraída da banheira. Era possível que elas passassem por não consumidas no fechamento da conta. Rivaldo deixara o chuveiro quente aberto e a queda brusca de temperatura embasara-lhe os óculos.

- Me larga! Dizia uma das garotas sob o edredom.

- Qual é? Persuadia Viana sob o edredom.

O ralo entupira sem que ninguém percebesse e Rivaldo, após o insucesso do edredom, dizia crer numa conspiração da indústria de desodorantes. Poderíamos percebê-la, segundo ele, na conduta unilateral do discurso da mídia quando o assunto eram as mudanças climáticas. Uma lâmina de água formava-se decorrente do entupimento do ralo.

- Chega aí, venha escutar isso.

- Fodge, fodge, me fodge.

Divertia-nos o carioquês do cinema pornô nacional e fazia-nos perguntar onde estaria o Amazonas e o Tocantins. “Mas o Rio Grande do Sul exporta modelos”, alguém dizia. Gradativamente ninguém mais se deixava estar num único canto. Perambulavam de galho em galho. Da banheira para a cama, da cama para a mesa, da mesa para a privada, da privada para o cavalo, do cavalo para a janela. Éramos pássaros. Eu torcia em silêncio para que voássemos alto até nos perdermos no vento, mas pensava que talvez fossemos, ao invés de curiós e juritis, pombas urbanas demais pra grandes desapegos.

Em meio aos saltos, Rivaldo deu-se conta que por falta de fósforos não fumava há horas. Tendo recorrido ao telefone por três vezes sem êxito, cobriu-se com o roupão Fidji e corrigindo o fio-dental que se formara pela rapidez do sobressalto tomou a direção da portaria para exigir providências.

- Qual o cúmulo do clichê Viana? Fala aí? Perguntava Rivaldo eufórico e sem fósforos voltando da portaria.

- Não, você só pode estar brincando? Esbugalhava-se o outro.

- FUDENDO MEU VELHO, A MULHER DA PORTARIA TAVA FUDENDO, gritou Rivaldo histérico.

- CARALHO! Se clichê fosse dinheiro tu tava feito, tu serias o Imposto de Renda - gargalhavam os dois descontrolados.

Após nova tentativa ao telefone, quando enfim se recompôs da imagem, Rivaldo finalmente obtinha a atenção dos funcionários do Motel. Os dois dividiam um trago entre risos.

Em poucas horas um rastro de luminosidade recortaria a janela denunciando a proximidade do fim da diária. Não tínhamos dinheiro para um café da manhã, a voz cansada do telefone informava que o mesmo não era incluso nas quartas-feiras como o era nos fins de semana. Mario de Andrade se enganava ao dizer que só se reconhece um amigo nas quartas-feiras. Era hora de deixar o quarto. Chaves, meias, calças, carteiras e uma nota surgida da janela mágica. As aventuras de Bob Esponja num canal aberto davam um tom infantil à cena. Coincidência ou não, a essa altura a lâmina de água acariciava as nossas batatas, mas não parecia haver em ninguém a mínima sensação de pântano.


(Um pequeno conto de Fábio Liberal)

sábado, 11 de julho de 2009

UM ÉPICO PARA NOSSA ÉPOCA

Sou um santo que duvida de minha própria crença na santidade...
Vejo isso com a clareza de Santo que duvida de sua própria crença e santidade.
Por isso escrevo um manifesto ao mundo em decadência,
um mundo onde os sentimentos mais "puros" ficam unidos aos mais rudes e truculentos,
para que minha poética soe como uma aposta no bizarro!

Gostei das imagens e das exaltações,
mas nunca consegui explicar o meu ato esdrúxulo...

(mesmo que o particular se pretenda universal).


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