Ele sempre acordava com sede no meio da noite.
E a caminhada até a cozinha era longa e tortuosa.
Batia nos móveis, esbarrava em paredes, tateava pelos cantos
e não achava interruptores; só havia luz quando abria a geladeira.
Tomava goles profundos na boca da garrafa e sempre sentia
algo lhe tocar os lábios que lhe fazia cócegas.
Olhava a garrafa antes de recolocá-la no eletrodoméstico,
mas, com olhos embaçados, não era possível identificar o que havia dentro.
Pensava consigo mesmo: a vida é abrir o refrigerador de
madrugada e ter vontade de voltar pra cama.
Voltava pra cama e apagava a sensação ao desabar sem sonhos
na cascata do sono.
De manhã, toda manhã, corria ao refrigerador e encontrava
uma aranha ainda viva dentro da garrafa.
Esvaziava a garrafa no jardim, repunha a água, e seguia o
passeio de mais um dia cotidiano.
Numa noite qualquer, a sede era tanta que ele esvaziou a
garrafa e então sentiu as patinhas do aracnídeo lutando para fugir do movimento
peristáltico do seu esôfago.
E pensou consigo mesmo: Engolir a angustia é mais difícil
que desistir dos sonhos.
Voltou pra cama e apagou com a sensação de que dessa vez haveria
sonhos no cata-vento do sono.
Na manhã seguinte ele encontrou a garrafa vazia, dessa vez
não repôs a água e não seguiu com o passeio cotidiano.